quarta-feira, janeiro 30, 2013

Patético

Patético é aquele que não vê as coisas a tempo.
Patético é aquele que acredita sempre no que não deve.
Patético é aquele que sonha sempre no que não pode alcançar.
Patético é aquele que nunca tentou a sério.
Patético é aquele que é previsível.
Patético é aquele que aborrece o mundo.
Patético é aquele que não preserva o que tem.
Patético é aquele que não consegue expressar aquilo que pretende.

Patético sou eu.

quinta-feira, janeiro 10, 2013

Escuro

É escuro o agora, e indefinido o amanhã.
Que mais há a fazer para dar luz à sombra?

A memória, tal como a esperança, é inimiga da tranquilidade.

E afinal, de que serve o sonho? De que serve a paixão? De que serve a vontade?

É a vida mais do que a constante fuga de buracos escuros para os quais caímos?
É a vida mais do que a constante resignação a sucessivas desilusões?
É a vida mais do que a constante tentativa de esquecer o que se sonha?

É muito escuro o agora, e pode ser ainda mais escuro o amanhã.

O fim não deve ser uma saída, mas seria sem dúvida uma tranquilidade.

Talvez esquecendo o sonho se poderá fugir do escuro, talvez assim se evite o fim prematuro.

Talvez morrer por dentro, para evitar morrer por completo.

quinta-feira, julho 15, 2010

Bizarro

Há algo bizarro na forma como as coisas surgem no resultado daquelas estranhas ligações que nos formam o pensamento. É especialmente bizarro quando essas mesmas coisas são aquela montanha longínqua que se avista durante toda uma vida, sempre com uma cara diferente, ou uma conversa diferente, ou uma motivação diferente... mas que afinal é sempre a mesma coisa. Nem vais de encontro à montanha nem a montanha vem ao encontro de ti, e é destas coisas que nasce a melancolia.

"O que é que isso interessa?"
"Nada."

terça-feira, março 16, 2010

O Caderno

“Por favor pede à mãe que me deixe entrar.” - já muitas eram as noites em que ouvia esta mesma frase. Olhei novamente para o meu pequeno irmão, solitário e cabisbaixo, encolhido no interior do nosso velho sotão, junto à porta. De todas as vezes que fui ter com ele nunca por um segundo consegui obter um único momento em que me olhasse directamente nos olhos. Os seus olhos encontravam-se sempre virados para o chão, como se tivesse vergonha de me encarar de frente. Mais uma vez se encontrava dobrado com as pernas flectidas e os braços cruzados a tocar nos ombros. Por mais que tentasse olhar para além da sua pequena figura, nada mais conseguia ver do que escuridão, a mais pura escuridão imaginável. O ar permanecia sempre seco, mesmo nas mais húmidas noites de Inverno. O silêncio vindo do outro lado da porta era assombrante, daquele tipo de silêncio que apenas obtemos quando somos muito novos e estamos sozinhos no escuro do nosso quarto. As suas breves palavras, proferidas num volume muito baixo e num tom que indicava medo, eram a única coisa que conseguia ouvir. A escuridão e o silêncio assustavam-me, mas a sua presença e a sua solidão compeliam-me a voltar ao mesmo sítio todas as noites. Por várias vezes o tentei atrair para o lado de cá, mas apercebia-me da sua recusa através de um leve abanar de cabeça, do qual normalmente se seguia a mesma frase: “Por favor pede à mãe que me deixe entrar.”. Numa dessas frias noites de Inverno em que a solidão se espalha e as palavras que dirigimos uns aos outros não encontram uma verdadeira correspondência, tentei atrair a mãe ao sotão. Encontrei-a a descascar batatas no lava-loiças da cozinha com um cigarro mal aceso na boca, o cabelo mal arranjado e um choro nervoso que por muito que tentasse não conseguia disfarçar. Sempre que se apercebia da minha presença esfregava os olhos numa tentativa de limpar as lágrimas pois nunca quis partilhar a sua escuridão comigo e, por isso, nunca lhe consegui levar um pouco de luz à sua tristeza. O modo pouco subtil em que tentava disfarçar esses momentos deixavam-me com receio de lhe dirigir qualquer palavra sobre o meu irmão, mas nessa noite decidi insistir. Disse-lhe que precisava de vir comigo até à porta do sotão, sem apontar a essa acção uma razão específica. Naturalmente não percebeu a razão do meu pedido e pediu-me que me fosse deitar para o meu quarto - “Já está a ficar tarde...” - disse, enquanto se virou de novo para o lava-loiças e esfregou mais uma vez os olhos. Pensei em inventar uma qualquer desculpa para a atrair para perto do local onde várias vezes falava com o meu irmão, mas não consegui arranjar coragem para lhe mentir. Falhei na minha tentativa, tal como expliquei ao meu irmão. “Não vale a pena,” - respondeu ele - “se ela viesse eu não estaria cá.”. Essas últimas palavras deixaram-me um pouco irritada, abri um pouco os olhos e berrei-lhe: “Mas porquê?”. Demorou um pouco a responder, não estava habituado a que lhe falasse alto, nunca precisei de o fazer. No entanto, respondeu-me passados uns momentos: “Porque ela não compreenderia.”.

Apesar da minha tenra idade, sempre me considerei uma rapariga matura. Apesar de ser ainda uma criança e de me portar como tal a maior parte das vezes, foram várias as noites em que me deitava e ficava a observar a noite por detrás da janela do meu quarto, a janela em que eu deixava entrar toda a beleza das estrelas para o meu pequeno cantinho. Enquanto observava a noite, pensava várias vezes na anatomia do momento. O momento, aquele pedaço de tempo em que o mundo se mostra à frente dos nossos olhos, com um ciclo de vida muito curto mas marcante e para o qual apenas a memória serve de registo para a infinidade de sensações que captamos. Triste destino temos, pensava, que faz com que essas breves maravilhas estejam ligadas a algo tão ténue como a memória. “Tenta viver cada momento como se fosse o último” - esta frase sempre me pareceu cliché, mas foi uma das últimas que ouvi da boca do meu avô antes de morrer, e agora que penso em todas os momentos que passei com o meu pequeno irmão, reconheço-lhe toda a verdade existente no mundo.

Em várias dessas noites sem sono olho para a pequena moldura que está em cima da mesinha de cabeceira castanha do lado esquerdo da cama e passo horas a fio a encarar o alegre sorriso na cara do meu irmão captado no momento em que a fotografia foi tirada. Na fotografia consigo ver perfeitamente o baloiço de madeira que ainda hoje está no nosso jardim. Foi nesse baloiço que o meu irmão estava na última vez que o vi, numa anormalmente enevoada tarde de Agosto. Nessa tarde tinha-me fartado de estar em casa e levei o meu irmão lá para fora, coloquei-o no baloiço e empurrei-o durante algum tempo. Ouvi a voz da mãe a gritar-me do interior da casa uma frase que ainda hoje me arrependo de não ter desobedecido: “Sofia vem ajudar-me a preparar a mesa.”. Íamos receber visitas nessa noite e como tal a mãe estava atarefada em preparar a casa para a ocasião, como sempre fazia. Desses breves momentos pouco me lembro, na verdade, aquilo que realmente me lembro consiste em apenas dois momentos: o primeiro quando disse ao meu irmão que não demorava e vi a sua cara de aborrecido por eu ter parado de empurrar o baloiço, o segundo quando voltei e vi o baloiço vazio.

Os meses seguintes foram nada mais que um grito no vazio, um nada absoluto. No meio do nada estava a minha mãe, mas não como figura de destaque, antes sim como parte integrante desse nada, uma sombra de uma árvore morta que já não reflecte o esplendor de antigamente. Nesses meses confirmei as minhas teorias acerca do fenómeno que é o momento: a sua realidade vive apenas da memória. No entanto a memória que possuo dessa altura é, apenas e só, negra.

“Por favor pede à mãe que me deixe entrar.” - ouvi mais uma vez vindo do escuro sotão. Dessa vez não aguentei mais e fechei a porta, fugindo de seguida em lágrimas para o meu quarto. Nessa noite, tal como em muitas outras, a insónia teimava em não me largar. Fitava o escuro da noite, como sempre, e pensava no pedido do meu irmão, o qual que por muito que tentasse não lhe conseguia atribuir um significado nem uma resolução. As estrelas fitavam-me com pouco brilho e não conseguia ouvir os aconchegantes sons da noite, apenas o estalar das velhas madeiras do chão do quarto. Há noites que teimam em nunca acabar, tal como há escuridão que teima em não desaparecer.

A manhã seguinte acordou ensolarada, de uma forma que já não via há bastante tempo. Ao descer as escadas apercebi-me que a mãe estava deitada sobre o sofá e tentei passar despercebida como normalmente fazia. Ao passar por ela lancei um breve olhar para os seus olhos e reparei que algo estava diferente nesse dia. Apesar das lágrimas lhe continuarem a escorrer pela cara, a sua expressão já não transmitia o vazio que me habituara a reconhecer, pelo contrário, apercebi-me que ela estava a sorrir. Vi que segurava uma espécie de livro na mão, mas não consegui perceber qual era a capa do mesmo, porém não tive coragem de lhe perguntar do que se tratava. Decidi então esconder-me na cozinha e esperar por uma oportunidade para desvendar o que se passava. Passados uns minutos ouvi os seus passos a subir as escadas e avancei para o local com esperança que o pequeno livro tivesse ficado para trás. Felizmente encontrei o livro semi-aberto em cima da curta mesa de vidro que se encontra em frente do sofá. Alcancei-o e reparei que realmente era-me impossível reconhecer qualquer capa pois tratava-se apenas de um pequeno caderno forrado a amarelo, com uma pequena etiqueta na frente que continha um título escrito à mão: “Caderno de jogos”. Abri-o e deparei com um conjunto de fotografias do meu irmão a brincar e de pequenas descrições que acompanhavam cada fotografia. Cada um desses textos parecia descrever várias brincadeiras que a minha mãe e o meu irmão tinham partilhado e deduzi que as fotografias tivessem sito tiradas por ela durante essas actividades. Houve uma página que me chamou especial atenção e não consegui evitar um esboçar de admiração ao olhar para ela: tratava-se de uma página que continha uma fotografia do meu irmão dentro de uma grande caixa de cartão em que a descrição que a acompanhava, escrita a azul ao contrário das anteriores que eram escritas a negro, dizia: “Jogo da Porta: Para jogar este jogo são precisas duas pessoas e uma caixa, que simula uma casa. A primeira pessoa deve estar dentro da caixa e deve também esperar que a segunda pessoa bata à porta. A pessoa no interior da casa só poderá deixar a outra entrar se esta lhe pedir “por favor”, caso contrário a segunda pessoa ficará do lado de fora da caixa.”. Apercebi-me então que a minha mãe olhava para mim por cima dos meus ombros e sem que fosse preciso perguntar-lhe nada disse-me: “Encontrei esse caderno no sotão depois de acordar. É o caderno de jogos em que eu e o teu irmão costumávamos apontar as nossas brincadeiras enquanto tu não estavas em casa. Era o nosso pequeno segredo, o tesouro, como ele lhe chamava...” - afirmou a mãe enquanto limpava os olhos - “Esse jogo que estás a ler agora era o seu preferido, ele adorava bater à porta vezes e vezes sem conta sem pedir “por favor”, como que se por traquinice me quisesse deixar zangada, mas depois lá me pedia: “Por favor mãe deixa-me entrar.” E a sorrir lá entrava na casa, nesta simples caixa onde chegámos a estar horas a fio a inventar outros jogos.”. Depois da explicação e pela primeira vez em muito tempo abracei a minha mãe que, tal como eu, chorava com um largo sorriso nos lábios. É estranha e reconfortante a sensação que o relembrar de um momento nos pode trazer. É no entanto ainda mais reconfortante e acarecedora a sensação de voltar a saborear esse momento nem que seja na nossa memória.

Esse dia passou luminoso, a escuridão já não existia. Era como se de repente alguém tivesse rebentado as paredes e os raios de sol chegassem a todos os cantos da nossa casa. À noite dirigi-me de novo para o sotão, mas não consegui encontrar o meu irmão. Agora, o sotão já não me parecia tão escuro e apesar da pouca luz que o local recebia consegui vislumbrar os vários móveis apodrecidos que estavam ali guardados há anos. Sorri e dirigi-me para o quarto, as insónias pareciam ter dado lugar a uma calma e acolhedora tranquilidade que me deram vontade de dormir ao deitar-me na cama. No entanto, antes de adormecer, olhei ainda pela janela e recebi o intenso brilho das estrelas no meu quarto e, ao fechar os olhos, ouvi a imensidão de sons que a noite tinha para me oferecer.

quinta-feira, setembro 04, 2008

Gabriela escreve

Gabriela teve durante toda a sua vida o hábito de se sentar e escrever. Escrevia sobre qualquer coisa, em qualquer lugar, a qualquer hora. Certa vez escreveu sobre uma nuvem que vira passar ao caminhar pela rua, noutra ocasião escreveu sobre um cisne que admirara no lago do parque em que costuma passear e houve ainda um dia em que escreveu sobre as sombras que vê na janela do seu quarto.
No entanto, nos seus últimos meses, Gabriela perdeu a vontade de escrever. Várias vezes se sentou nas escadas íngremes do seu quintal que davam acesso à porta de trás da sua casa a olhar para as estrelas, mas não conseguiu escrever. Observou várias vezes o pôr do sol que se escondia no final do lago onde costumava passar os fins de semana, mas não conseguiu escrever. Gabriela estava demasiado ocupada para escrever, na verdade, a sua mente estava demasiado ocupada para se importar com as pequenas coisas que valem a pena. Gabriela decidiu então que estava também demasiado ocupada para viver.
Assim, no último dia de um Agosto mais frio que o habitual, tomou a decisão que se iria afogar no lago. Não fez planos elaborados, não se despediu de ninguém. Decidiu apenas caminhar até à beira da água e avançar destemidamente sem hesitar, não queria permitir-se a dar um passo atrás ou sequer vacilar por um instante.
No último dia de Agosto, o sol surgiu radiante, algo que não tinha ainda acontecido nesse ano. O lago brilhava intensamente reflectindo a luz da quente estrela que nos acompanha e que nunca nos questiona. A relaxante calma com que as águas do lago abraçavam o passar do dia foi apenas interrompida pelo aparecimento de Gabriela, que cumpria escrupulosamente o seu plano.
Gabriela estava agora completamente mergulhada no lago, imóvel, estável e tranquila.
Foi então que olhou pela primeira vez nesse dia para o sol e reparou na majestosa beleza de que não se tinha ainda apercebido. Soltou uma lágrima que depressa se misturou com a água que a cercava, uma lágrima invisível mas sincera.
E foi então que Gabriela pensou que devia ter levado o seu caderno consigo de modo a descrever a infindável beleza que a rodeava.
Gabriela sorriu... afinal, nunca desistira de escrever.

domingo, abril 20, 2008

terça-feira, abril 08, 2008

Não é o tempo, nem é o tempo que o faz

"Tu estas livre e eu estou livre
E ha uma noite para passar
Porque nao vamos unidos
Porque nao vamos ficar
Na aventura dos sentidos

Tu estas só e eu mais só estou
Tu que tens o meu olhar
Tens a minha mao aberta
À espera de se fechar
Nessa tua mao deserta

Vem que o amor
Nao é o tempo
Nem é o tempo
Que o faz
Vem que o amor
É o momento
Em que eu me dou
Em que te dás

Tu que buscas companhia
E eu que busco quem quiser
Ser o fim desta energia
Ser um corpo de prazer
Ser o fim de mais um dia

Tu continuas à espera
Do melhor que ja nao vem
E a esperanca foi encontrada
Antes de ti por alguém
E eu sou melhor que nada"

Canção do Engate, António Variações