quinta-feira, setembro 04, 2008

Gabriela escreve

Gabriela teve durante toda a sua vida o hábito de se sentar e escrever. Escrevia sobre qualquer coisa, em qualquer lugar, a qualquer hora. Certa vez escreveu sobre uma nuvem que vira passar ao caminhar pela rua, noutra ocasião escreveu sobre um cisne que admirara no lago do parque em que costuma passear e houve ainda um dia em que escreveu sobre as sombras que vê na janela do seu quarto.
No entanto, nos seus últimos meses, Gabriela perdeu a vontade de escrever. Várias vezes se sentou nas escadas íngremes do seu quintal que davam acesso à porta de trás da sua casa a olhar para as estrelas, mas não conseguiu escrever. Observou várias vezes o pôr do sol que se escondia no final do lago onde costumava passar os fins de semana, mas não conseguiu escrever. Gabriela estava demasiado ocupada para escrever, na verdade, a sua mente estava demasiado ocupada para se importar com as pequenas coisas que valem a pena. Gabriela decidiu então que estava também demasiado ocupada para viver.
Assim, no último dia de um Agosto mais frio que o habitual, tomou a decisão que se iria afogar no lago. Não fez planos elaborados, não se despediu de ninguém. Decidiu apenas caminhar até à beira da água e avançar destemidamente sem hesitar, não queria permitir-se a dar um passo atrás ou sequer vacilar por um instante.
No último dia de Agosto, o sol surgiu radiante, algo que não tinha ainda acontecido nesse ano. O lago brilhava intensamente reflectindo a luz da quente estrela que nos acompanha e que nunca nos questiona. A relaxante calma com que as águas do lago abraçavam o passar do dia foi apenas interrompida pelo aparecimento de Gabriela, que cumpria escrupulosamente o seu plano.
Gabriela estava agora completamente mergulhada no lago, imóvel, estável e tranquila.
Foi então que olhou pela primeira vez nesse dia para o sol e reparou na majestosa beleza de que não se tinha ainda apercebido. Soltou uma lágrima que depressa se misturou com a água que a cercava, uma lágrima invisível mas sincera.
E foi então que Gabriela pensou que devia ter levado o seu caderno consigo de modo a descrever a infindável beleza que a rodeava.
Gabriela sorriu... afinal, nunca desistira de escrever.

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