
São sensivelmente quatro da tarde de uma tarde chuvosa de Fevereiro no belo e triste Cemitérios dos Amores. A razão de estar aqui? Estou no funeral da minha mãe. Para qualquer sítio que olhe só vejo o vazio… De um lado vejo os meus irmãos e cunhados, do outro vejo aquele infinito conjunto de tios, tias, primos e primas que não conheço nem quero ouvir falar. Todos fingem escutar o padre que solta as palavras mais que repetidas que enviam a minha mãe para a sua última moradia, a terra. Esforço-me por não chorar, por não mostrar aquilo que me apetece gritar… Infelizmente, consigo… Foi também assim com a visão enevoada pela lágrima que vi a minha mãe pela última vez. Foi assim que me despedi dela, ignorando que ela precisava de mim nos seus últimos dias. Não entendi na altura que ela precisava de alguém para a ajudar a concluir a história que era a sua existência. Ignorei-a, como todos a ignoraram, como a ignoram neste último dia aqui no cemitério…
Olho agora para o seu caixão de aparência aborrecida escolhido por uma das minhas tias. Lembro-me agora que a minha mão costumava dizer que queria que o seu funeral fosse um acontecimento alegre em que todos nos juntássemos a lembrá-la da pessoa que era… Não te preocupes mãe, os teus desejos foram mais uma vez esquecidos… Em vez disso, o padre está neste momento com as mãos levantadas para o céu a dizer que agora estás com Deus, que agora estás bem… Mas eu sei que não estás mãe. Aliás, sei que nem me ouves, aquilo que já não existe já não pode ouvir…
E eis que me assaltam de rompante os piores sentimentos que assombram o ser humano: a nostalgia e a saudade. Invadem-me primeiro com uma sensação de alegria fazendo-me recordar velhos tempos mas, pela mesma razão, sou também repentinamente atingido por um turbilhão de tristeza, pois tais tempos não voltarão, jamais. É esta a verdadeira essência do Homem, todos nós o sabemos, mesmo aqueles que não o admitem, todos nós sabemos que depois desta curta passagem neste antro a que chamamos vida não existe absolutamente nada. E é a olhar para trás, para aqueles breves momentos em que nos sentimos absolutos, que nos apercebemos do quanto não queríamos na realidade ter envelhecido, do quanto queríamos ter ficado iguais para todo o sempre. Lembro-me agora dos tempos em que passava os dias com os meus irmãos, quando o mundo era tão pequeno e fácil de compreender. Tardes e tardes de Verão que correram à velocidade do sonho, para agora surgirem na escuridão do pesadelo. O meu avô, vejo agora também o meu avô… Recordo a pergunta: porque têm as pessoas de morrer? O momento em que aprendi a andar de bicicleta, a primeira noite passada fora com os amigos, a primeira vez que gostei de uma rapariga, os luares das quentes noites de Verão que consigo sentir agora no meu corpo, como se a lembrança passasse a realidade, mas só por breves instantes.
Lembro-me também da minha mãe quando era mais nova, também sinto agora a sua mão a acariciar-me a cara. “Agora está tudo bem,” – dizia-me ela – “está tudo bem, estou aqui.”
Mas já não estás mãe, já não estás… Tal como já não estão aqueles tempos em que mandávamos no tempo e em que tratávamos o céu por tu. Estes tempos existem somente na minha memória até que esta deixe também de existir… Pois para quê? Para quê isto tudo, se amanhã não estou cá e nada disto fez a diferença. Então, para quê isto? Para quê isto?
O caixão desceu à terra, adeus mãe. Tenho de ir embora, começou agora a chover de novo …
1 comentário:
a descrição perfeita da tristeza de perder alguém...
A descrição perfeita do passado que de repente se interpõe no presente e nos magoa tanto...
Gostei muito :)
Beijinho*
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